segunda-feira, 10 de maio de 2010

Viagem ao redor do meu quarto

Quarto, de Van Gogh

Neste ano de literatura intensa, tenho me deparado com uma grande quantidade de livros. Na faculdade, três, das quatro cadeiras que curso, são literatura, a quarta matéria é o estágio com o ensino médio, em que eu dou aula, adivinhem de quê? de literatura - Romantismo. E no meu trabalho, à tarde, na FUNDARC, estou no departamento literário. Não tenho do que me queixar, amo os livros.

De tanto ler e ler, ando com a imaginação aguçada e com uma super produção interna de pensamentos, reflexões e até mesmo epifanias.

Um dos livros que me fascinaram bastante foi Viagem ao redor do meu quarto, de Xavier Maistre. E é sobre ele e sua obra que escreverei um pouquinho.

Xavier Maistre, nascido na Sabóia, no século XVIII, negava-se a ter nacionalidade francesa, por isso foi mudando-se para outros países vizinhos. A partir da experiência de ter sido preso durante mais ou menos um mês e meio, escreveu este livro. O mesmo período que ficou preso é o tempo de sua viagem dentro do seu próprio quarto.

O livro é pura filosofia. O simples trajeto da cama à escrivaninha é um longo caminho de aprendizado. Conta da convivência com seu criado Joannetti, durante anos, e também sobre sua cadelinha Rosina, a quem considera mais que a muitos amigos.

Sem sair do próprio quarto encontra objetos e passa por situações que o levam a filosofar sobre a morte, sobre a amizade, sobre o magnetismo, sobre o acaso, sobre a sociedade e suas injustiças... é uma literal viagem pelo quarto.

Aqui vai um trechinho que eu gosto bastante. Aliás, é difícil escolher, porque eu não dispensaria nem uma linha do livro.

Descreve o momento em que estamos acordando:

Estamos bastante acordados para percebermos que ainda não o estamos, e para calcular de modo confuso que a hora dos negócios e das coisas aborrecidas está ainda na ampulheta do tempo.

Sobre a sua relação com Rosina:

...ainda não houve entre nós a menor frieza; ou, se surgiram entre mim e ela algumas rusgas, confesso de boa fé que a culpa maior tem cabido sempre a mim, e que Rosina sempre deu os primeiros passos para a reconciliação

Sobre a morte de um grande amigo:

A destruição dos seres e todas as desditas da humanidade não valem nada diante do grande todo. A morte de um homem sensível, que expira no meio dos seus amigos desolados, e a de uma borboleta que o ar frio da manhã faz perecer no cálice de uma flor, são dois momentos iguais no curso da natureza. O homem é apenas um fantasma, um vapor que se dissipa nos ares...

Mas estas são amostras bem pequenas, estes temas são todos bem desenvolvidos. A sua mais marcante teoria é a divisão humana entre a alma e a besta.

Dá como exemplo vários fatos comuns à nossa rotina que retratam essa divisão da que somos compostos. No campo da arte faz a comparação entre duas delas: a pintura e a música, e defende que a música é capaz de ser produzida, tocada, de forma maquinal, somente utilizando a parte “besta” do homem, enquanto a alma sai por aí. Mas que pintar exige a sua alma presente à sua besta, a primeira necessita comprometer todas as suas faculdades.

Maistre influenciou muito a literatura de Machado de Assis. O livro Memórias póstumas de Brás Cubas tem grande semelhança na maneira narrativa nada linear, na filosofia, e nas teorias que traz. Obviamente Machado entra com suas pitadas pessimistas.

Viagem ao redor do meu quarto é um livro pra quem quer filosofar.

Tá aí a dica, eu adorei.

Thais Deamici.



3 comentários:

  1. Amo Literatura, amo Filosofia, e especialmente me encantei com a linguagem poética presente nos trechos transcritos na sua postagem.

    Não li o livro, mas está anotada a sugestão! A propósito, essa separação entre homem e besta me faz lembrar de outra semelhante, de Hermann Hesse, no romance "O Lobo da Estepe".

    Esperarei por outras sugestões!

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  2. É uma ótima dica. Adoro histórias que fazem pensar, que fazem uma reflexão sobre nós mesmos. Dessas que cativam, que prendem nossa atenção. Tenho certeza de que deve ser um livro fascinante, pois do pouco que li aqui, já fiquei louca pra saber mais. Obrigada por esta maravilhosa sugestão.

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  3. Will, ótima essa interação! O legal é poder cambiar esses conhecimentos. Por exemplo, eu não conheço esse livro que tu indicou e é certo que vou me informar sobre ele. Aliás, essa separação da besta e da alma já é discutida entre os filósofos gregos. Na verdade nada é inventado, as ideias é que vão se transformando.

    Ah, se você leu algum livro legal e quiser escrever sobre, como fiz eu aqui neste post, então mande-nos um email e a gente publica o teu texto.
    Um beijo,
    Thais

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