terça-feira, 29 de junho de 2010

Infância


Este é o título do livro de Graciliano Ramos, em que ele relata a sua própria. É uma obra de memórias, sob a perspectiva infantil de Graciliano. Seus pensamentos, suas impressões, a primeira lembrança que ele guarda de todas as suas lembranças, os traumas, explicações de seus costumes e comportamento atuais, seu contato com a literatura, seu sofrível processo de alfabetização, está tudo neste livro. Aliás, lendo-o ajuda-nos a entender as suas obras literárias tão conhecidas como Vidas Secas, Angústia, São Bernardo...

É bem verdade que a sua leitura exige concentração, pois GR, apesar de expressar-se de forma direta, trabalha bastante sua escrita. Poderíamos dizer que ela não é tão simples assim. Eu confesso que somente na segunda leitura é que me deliciei e iniciei a minha apreciação. Até então sentia dificuldades em ler, por exemplo, o que estava no pretérito imperfeito. Isto me distanciava da leitura. Ao contrário do que acontecia quando um fato era contado no perfeito. As suas observações sobre o que sente e o que pensa quando criança são encantadoras e assim a gente recorda da diferença gigante que existe entre o mundo infantil e o mundo adulto. O quanto este primeiro é mais cândido e lógico.

Infância é uma narrativa incrível. Enquadra-se nas características do Romance de 30, apesar de ter sido escrito em 1945. Há uma crítica social sobre as regiões do Brasil e a valorização do vocabulário local, é o neorrealismo.

O restante eu deixo para que vocês descubram e saboreiem. Aqui estão dois trechos da obra.

Meu pai e minha mãe conservaram-se grandes, temerosos, incógnitos. Revejo pedaços deles, rugas, olhos raivosos, bocas irritadas e sem lábios, mãos grossas e calosas, finas e leves, transparentes. Ouço pancadas, tiros, pragas, tilintar de esporas, batecum de sapatões no tijolo gasto. Retalhos e sons dispersavam-se. Medo. Foi o que me orientou nos primeiros anos, pavor. p.14 Infância

Aos nove anos eu era quase um analfabeto, e achava-me inferior aos Mota Lima, nossos vizinhos. Muito inferior, construído de maneira diversa. Esses garotos, felizes, para mim eram perfeitos: andavam limpos, riam alto, frequentavam escola decente e possuíam máquinas que rodavam na calçada como trens. Eu vestia roupas ordinárias, usava tamancos, enlameava-me no quintal, engenhando bonecos de barro, falava pouco. p. 205 Infância

Um comentário:

  1. Esse tipo de leitura, com conteúdo instigante, que nos faz parar e refletir, é fascinante. Parece que, quanto mais nós lemos, mais ficamos querendo saber o que o autor nos diz. Por isso, o bom mesmo é lê-lo mais de uma vez. A primeira, para tentar entendê-lo, e a outra, para apreciá-lo.

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