segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Álvaro de Campos


Às vezes tenho ideias felizes,
Ideias subitamente felizes, em ideias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...


Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...

18-12-1934


Pode-se dizer que Álvaro de Campos, dos quatro poetas, é o mais decadentista e melancólico. Acima temos um exemplar de um de seus poemas. Tratei de escolher um menos triste possível, pois minha disposição anímica não seria contemplada com um poema de AC, por agora.
Sua obra tem três fases: a primeira em que escreve Opiário, retrata um homem entediado com o mundo, e o ópio é uma saída; a segunda é futurista, pois é influenciado por Caeiro, celebrando a máquina, a velocidade, a simultaneidade das sensações; na sua terceira fase escreve poemas com sensações mórbidas, com uma intensa angústia.
Bom, vou publicar mais um poema dele, já conhecido nosso. Em realidade não me parece um típico de AC.

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

21-10-1935

Um comentário:

  1. Estou aqui para dar, mais uma vez, minha contribuição singela, com um grande poema deste grande poeta.


    Conhecer-me

    Começo a conhecer-me. Não existo.
    Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
    ou metade desse intervalo, porque também há vida…
    Sou isso, enfim…
    Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
    Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
    É um universo barato.

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